O Dr. Arlindo Gonçalves Soares (Souselo, 17/01/1909 - Alpendorada, 14/08/1985), licenciou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina do Porto em 1932.
Desempenhou a sua actividade profissional clínica dividida entre Alpendorada e as Minas do Pejão, onde, em 1965 viria a ser nomeado Director Clínico da Empresa Carbonífera do Douro e, por isso, não admira que uma das suas preocupações tivesse sido o estudo das doenças profissionais, nomeadamente a silicose.
Omito as outras actividades não clínicas, deixando apenas referência a intervenções como Deputado da Assembleia Nacional (1965/69), onde integrou a Comissão de Trabalho, Previdência, Saúde e Assistência Social, e onde abordou assuntos relacionados com as condições de trabalho.
A silicose, doença pulmonar provocada pela inalação de partículas de sílica, provoca uma forma de fibrose pulmonar, permanente e progressiva, com diminuição de expansão pulmonar. Além disso predispõe para outras doenças pulmonares intercorrente - infecções, sobretudo tuberculose - e cancro do pulmão.
Conhecida desde a antiguidade, só em 1936, através da Lei 1942, seria considerada indemnizável para o trabalhador que dela sofresse, demonstrado por relatório médico adequado.
Contactando diariamente com mineiros e pedreiros, estava numa situação privilegiada para constatar as diferentes patologias, nomeadamente do foro respiratório, a que uns e outros estavam sujeitos.
Em 1957 publicou um artigo numa revista do Serviço de Fomento Mineiro intitulado: “A Luta Contra a Silcose nas Minas do Pejão” em que afirmava: “As poeiras de carvão, responsáveis por aspectos radiológicos que assinalam a sua deposição intra-alveolar, são hoje considerados inofensivos, chegando até a crer-se durante muito tempo, que teriam papel protector contra a invasão da tuberculose pulmonar. A antracose, não pode, por isso, considerar-se propriamente uma doença por não dar sinais mórbidos, mas apenas como simples tatuagem pulmonar, sem significado patológico. Quando aparecem a fibrose e reacções hilares, então é porque a sílica incluída nas poeiras de carvão se encarregou daqueles estragos.”.
A sílico-antracose é frequente nas nossas minas, mas só a silicose merece o nosso interesse clínico
Dr. Arlindo Gonçalves
Com a diminuição drástica da extracção de carvão no ocidente (no Reino Unido, país que possuía a maior indústria extractiva o número de trabalhadores das minas de carvão baixou de cerca de um milhão e cem mil no início do séc. XX, para seiscentos e vinte trabalhadores em 2017), ao contrário do que se verifica nos países do oriente, sobretudo a China, este problema da antracose começou a ser cada vez menos “interessante” para a comunidade médica.
Num artigo de revisão de 2014 de National Research Institute of Tuberculosis and Lung Disease, refere-se que “os nódulos antracóticos mediastínicos revelam deposição de sílica”. Quer dizer com algumas décadas de diferença, e tecnologia muito mais avançada, demonstra-se o que um nosso conterrâneo afirmara antes e que acaba o seu artigo afirmando:” A sílico-antracose é frequente nas nossas minas, mas só a silicose merece o nosso interesse clínico”.
Ainda neste artigo faz referência à necessidade de um exame médico cuidadoso na admissão do trabalhador, que devia ter em conta o seu historial e ser acompanhado de exame radiológico pulmonar. O trabalhador deveria ser avaliado anualmente para verificar sobretudo duas condições: queixas do foro respiratório e exame ocular para detectar o “nistagmo dos mineiros”, problema relativamente frequente em Inglaterra, com um número de trabalhadores muito maior, com pouca expressão nas nossas minas, e que seria devido ao facto do ambiente pouco iluminado a que estacam sujeitos.
A silico-antracose, tinha ainda outra característica que era a de ser factor facilitador de tuberculose pulmonar, pelo que, para além dos exames periódicos se impunha uma vigilância activa de queixas que pudessem apresentar em consequência desta “peste branca dos mineiros” ou “tuberculose fria”, como lhe chamava.
Para além destas considerações científicas, o Dr. Arlindo Soares, estava numa situação privilegiada para tomar conhecimento de vários problemas de caracter social e assistencial que se colocavam a estes trabalhadores e famílias. Em 1961 Apresentou uma comunicação na Liga Portuguesa de Profilaxia Social, sobre o tema “Alguns aspectos medico-sociais do problema da silicose”. Referindo-se ao início da sua actividade nas Minas do Pejão, apresentou o primeiro relatório em 1942 à “Caixa de Previdência” do seu pessoal, que havia sido criada em 1941. De notar que neste relatório as principais preocupações referiam-se à detecção de nistagmo e ancilostomíase, inexistentes segundo esse relatório, talvez por serem problemas identificados noutra minas e noutros países. Aborda ainda o facto relativamente recente de a silicose apenas ter sido contemplada como doença profissional em 1936 (Lei 1942), sujeita, portanto, a possibilidade de indeminização dos trabalhadores afectados. Já nesse relatório referia a necessidade de efectuar exame radiológico de seis em seis meses aos trabalhadores que fossem considerados de maior risco. E descreveu os vários aspectos radiológicos das diferentes formas de apresentação da doença.
Este pequeno artigo pretende apenas dar a conhecer parte da actividade clínica de um Médico desta terra, sabendo, sobretudo os mais velhos, que naquela altura a actividade de um médico de aldeia, não tinha limites nem dispunha de ajudas próximas.
António Filipe
Mas, como muitos saberão, ainda lhe restava tempo e inspiração para alguma actividade poética. Mesmos em relação ao trabalho das pedreiras e das minas:
Nas entranhas da terra, lá no seio
Jaz escondida, colossal riqueza;
O carvão, mineral escuro e feio
Mas agasalho e pão de tanta mesa.
Quando cá fora o sol ardente, em cheio,
Beija, doirando, a face da natureza,
Lá no fundo, a suar, vergado ao meio,
O mineiro, trabalha, canta e reza.
O corpo é negro e o trabalho é pobre.
A alma é branca, o sentimento é nobre
Heróico o seu ideal, grande e profundo,
Pois é o vigor das suas mãos honradas
Que faz brotar da terra, às pazadas,
A luz e o calor do próprio mundo.